Dá vontade de ter 7 anos, Brasil - Márvio dos Anjos

Fred gol final Brasil Espanha (Foto: Reuters)
“Para o alto e avante! E de preferência
 com um beijinho daquela loira ali no setor 8.” 
No futebol, nem sempre o melhor vence. Que ótimo.

Porque a Seleção Brasileira não é um time melhor que a Espanha. Uma visão fria e racional vai salientar o fato de que o talentoso Oscar precisa render mais do que apenas dois passes por jogo, que Hulk, mesmo com os dois passes de ontem, ainda não está plenamente encaixado no onze titular e que talvez seja recomendável achar um lugar para Hernanes.

Mas quem quer ser frio e racional agora, num dia em que David Luiz fez a partida de sua vida, numa noite em que Luiz Gustavo mostrou ser o verdadeiro guardião da defesa brasileira, num jogo em que Neymar foi decisivo e mostrou credenciais contra muitos de seus futuros colegas, numa partida em que Fred reivindicou para si os holofotes que merece como principal centroavante brasileiro – e um dos melhores do mundo – em atividade?

Sim, isto do Fred é importante. Porque desde que o Barcelona de Guardiola e a Espanha de Luis Aragonés e Vicente del Bosque assombraram o mundo, não foram poucos os comentaristas que apontaram a iminente extinção da profissão de centroavante. Nada disso existe.

Fred é um centroavante da melhor estirpe, daqueles que você, se for esperto e ganhar o par-ou-ímpar, vai pedir primeiro para o seu time. Seu primeiro gol contra a Espanha foi macunaímico, foi puro deixa a vida me levar, foi totalmente jeitinho brasileiro. Nascido para concluir, tirou da Espanha toda a tranquilidade que a “Roja” se habituou a ter: a de brincar com a presa até extenuá-la e abatê-la. O terceiro foi aquele tapa na medida. No resto do jogo, marcou, correu, lutou – bem mais do que faz no Fluminense. Há uma razão para isso, que já explicarei.

O resto do time lembrou demais o Grêmio do Felipão dos anos 1990: solidário, às vezes excessivo nas faltas, sentindo certa falta de magia, mas sobretudo copeiro. Felipão com sua vitória ontem recolocou profissionalmente centenas de técnicos brasileiros menosprezados e diminuídos antes dos gênios táticos dos Guardiolas da vida (que sim, continuam sendo gênios táticos).

No fim, nossos técnicos são os reis da motivação, mais do que da tática, isto é fato. Sabem como poucos construir, sim, um time de solidariedade imensa entre os jogadores e o técnico, orbitando sempre em torno do compromisso com a vitória e, com isso, conquistamos a torcida. Iniesta e Xavi tiveram uma das tarde mais claustrofóbicas de suas vidas, tão pequeno foi o espaço que Luiz Gustavo e Paulinho lhe deram. Vão demorar a entender como a posse de bola não vingou no placar.

É, que no Brasil, é preciso construir um laço sentimental no grupo, essa coisa de família, de parentesco que vira quase um nepotismo, e só assim surge a missão entre irmãos. Isso é puro Sérgio Buarque de Hollanda aplicado ao futebol e, para nossos homens cordiais, continua servindo. Isso explica o marcador que Fred se tornou. Mano era professor demais e pai de menos.

Não é fácil conseguir essa solidariedade. Mano Menezes nunca conseguiu que os seus jogadores atuassem em tributo a si. Neymar nunca rendeu com Mano o que está rendendo agora. Desgarrado da necessidade de resolver as partidas no Santos e na Seleção, o menino de ouro do Santos e agora do Barcelona é um jogador generoso em passes, melhor leitor dos jogos e mais bem assessorado nos ataques.

Não gostaria de usar termos bregas como “família Felipão”. Mas já existe um grupo muito bem soldado no que tange o companheirismo. Vejo Neymar ser blindado pelo grupo dentro e fora de campo. Vejo poucas reclamações entre os jogadores, parece haver menos vaidade pessoal e mais apego à camisa – e isso é o tremendíssimo mérito de Luiz Felipe Scolari, e isso nós soubemos aplaudir demais em 2002.

Muitos nos diziam que o simples fato de o Brasil ter chegado à final da Copa das Confederações já era algo a ser comemorado. E de fato foi. Tirando a vitória sobre a França, nenhum de nossos resultados anteriores nos credenciava a sermos tão favoritos quanto a campanha agora nos torna. Vencemos os cinco jogos: o melhor da Ásia, o carrasco mexicano, o vice-campeão europeu, o melhor time da América do Sul e desta vez o maior time nacional deste século.

Mas ganhar é mais gostoso. E mais simbólico.

Essa vitória vem num momento de imensas convulsões sociais, em que o Brasil hoje tem sentimentos contraditórios em relação a tudo que gira em torno da Copa do Mundo. Do lado de fora do estádio, protestos e violência policial, uma presidente que preferiu não aparecer para escapar das vaias, nada disso nos passa despercebido. É parte de um jogo maior, o jogo democrático, em que temos que torcer pelo lado certo e cobrar que o mau uso de dinheiro público seja apurado e punido. Nesse jogo, também temos que evoluir demais, porque não atuamos bem nele. Temos que melhorar como eleitores, eles têm que melhorar como governantes, e o diálogo entre poder e cidadãos ainda é algo que não dominamos.

Mas, se me permitem ser muito honesto, adoraria ter 7 anos hoje, ignorar Ricardo Teixeira, CBF, Mano Menezes, estádios, conchavos etc, e estar me apaixonando pela Seleção num jogo como este. Porque acredito que é lindo esse traço de folclore e orgulho que nos une de ponta a ponta, essa história de heróis, de mitos, de um orgulho tribal verde-amarelo, de sermos os melhores no esporte que tantos bilhões amam. Assim fomos crianças, e queremos que algo de nossas infâncias permaneça para os nossos filhos. Porque era legal demais vestir amarelo e verde e ser campeão, mesmo que seja apenas um esporte.

É em jogos como este que o amor pela Seleção se renova de maneira verdadeira, mesmo nos olhos mais cansados e céticos em relação a tudo.

E sim, é em partidas como esta que atletas aprendem o que é ser amado por um país que é maior que os seus estádios. Talvez vivendo um torneio como este, eles se conscientizem de que precisam ser tão solidários e interessados no debate público quanto foram em cada dividida dentro do estádio que hoje reside no velho endereço do Maracanã. Está claro para mim que eles perceberam os clamores dentro e fora dos estádios. Que reagiram dentro do que podiam fazer, já que não são responsáveis por orçamentos de obras, contratos multinacionais abusivos e legados faraônicos. São responsáveis, como atores, por essa peça de simbolismo nacional que se chama Seleção Brasileira.

O símbolo é um nada que é tudo.

O Brasil se reerguer como Seleção também é uma resposta aos clamores de um Brasil melhor. O hino cantado a plenos pulmões, até o fim da primeira parte, contrariando aquele arranjo mequetrefe que tentam nos empurrar, como tantas caxirolas que nos empurram, é um tremendo “peralá” naqueles que acham que podem fazer tudo, que não ligamos, que não damos a mínima. Torcer pela Seleção não é se alienar com a política, protestar com as ruas não significa que abandonaremos a Seleção. Há um ponto em que ser brasileiro é ter alguma tradição e também querer alguma mudança. Os dois barulhos se completam.

Se a Seleção ontem conseguiu as DUAS COISAS, fica no ar a sensação de que o próximo ano será divertidíssimo por aqui.

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