A irrelevância intelectual das redes sociais

A enxurrada de enganosas grandes ideias - Neal Gabler*

Em edição recente, a revista norte americana The Atlantic alardeia as "14 Maiores Ideias do Ano". Prenda o fôlego.

Tsunami informacional
As ideias incluem: em 12º. lugar "Os jogadores são os donos do jogo". Em 6º. Lugar: "Wall Street: a mesma de sempre". Em 2º. Lugar: "Nada permanece secreto!", e a maior de todas as idéias do ano, "A ascensão da classe média - só que não a nossa", que se refere às economias em crescimento de Brasil, Rússia, Índia e China.

Pode soltar o ar. Você deve achar que nenhuma dessas ideias parece particularmente de tirar o fôlego. Nenhuma delas, aliás, é uma ideia.

Elas são mais observações. Mas não se deve culpar a revista por confundir lugares comuns com visão intelectual.
O conhecer nos mantém "por dentro", nos mantém conectados com nossos amigos e nossa tribo. As ideias são tão intangíveis, tão pouco práticas, trabalho demais para recompensa de menos. Poucos falam ideias. Todos falam informação. E geralmente informação pessoal. Onde é que você vai? O que está fazendo? Quem você anda vendo? Estas são as grandes questões de hoje.
As ideias simplesmente não são o que costumavam ser. Em um passado distante, elas podiam acender debates, estimular outros pensamentos, incitar revoluções e mudar fundamentalmente as maneiras como observamos e pensamos o mundo. Elas podiam penetrar na cultura geral e transformar pensadores em celebridades - notadamente Albert Einstein, mas também Reinhold Niebuhr, Daniel Bell, Betty Friedan, Carl Sagan e Stephen Jay Gould, para citar alguns. As próprias ideias podiam se tornar famosas: por exemplo, "o fim da ideologia", "o meio é a mensagem", "a mística feminina", "a teoria do Big Bang, "o fim da história".

A grande ideia podia ganhar a capa da revista Time como aquela do "Deus está morto?". E intelectuais como Norman Mailer, William F. Buckley Jr. e Gore Vidal seriam eventualmente convidados para as poltronas dos programas de entrevistas de fim de noite.

Mas isso foi há uma eternidade.

Se nossas ideias parecem menores hoje, não é porque somos mais burros do que nossos antepassados, mas simplesmente porque não ligamos tanto para as ideias quanto eles ligavam. Aliás, estamos vivendo cada vez mais em um mundo pós-ideia - um mundo em que as ideias grandes, as que fazem pensar, que não podem ser instantaneamente transformadas em dinheiro, têm tão pouco valor que menos pessoas as estão gerando e menos canais as estão disseminando, mesmo com a internet.

As ideias ousadas estão praticamente fora de moda.
Não é segredo, especialmente nos Estados Unidos, que vivemos numa era pós-Iluminismo na qual racionalidade, ciência, argumento lógico e debate perderam a batalha para a superstição, a fé, a opinião e a ortodoxia. Embora continuemos criando avanços tecnológicos gigantescos, podemos estar na primeira geração que girou para trás o relógio da história. A geração que retrocedeu intelectualmente do modo pensar para os velhos modos das crenças. Mas pós-Iluminismo e pós-ideia, embora relacionados, não são exatamente a mesma coisa.

Pós-Iluminismo refere-se a um estilo de pensar que já não mobiliza as técnicas do pensamento racional. Pós-ideia refere-se ao pensar que não é mais praticado, independentemente do estilo.

O mundo pós-ideia vem chegando faz tempo, e muitos fatores contribuíram para isso. Vemos o recuo nas universidades do mundo real, e o incentivo à especialização mais estreita em lugar da ousadia - de cuidar de plantas nos vasos em vez de plantar florestas.

Vemos a substituição do intelectual público na mídia em geral pelo sabichão que substitui extravagâncias por ponderação, e o consequente declínio do ensaio em revistas de interesse geral. E temos a ascensão de uma cultura cada vez mais visual, especialmente entre os jovens - uma forma menos favorável à expressão de ideias.

Mas esses fatores, que começaram há décadas, foram mais provavelmente os anúncios do advento de um mundo pós-ideia do que suas causas principais.

Vivemos na muito alardeada Era da Informação. Por cortesia da internet, temos a impressão de ter acesso imediato a tudo que alguém poderia querer saber. Certamente somos mais bem informados em história, ao menos quantitativamente. Há trilhões e trilhões de bytes circulando no éter - tudo para ser colhido e ser objeto de pensamento. E é precisamente essa a questão. No passado, nós colhíamos informações não só para saber coisas, isso era apenas o começo. Nós também colhíamos informações para convertê-las em alguma coisa maior que fatos e, em última análise, mais útil: em ideias que explicavam as informações. Buscávamos não só apreender o mundo, mas realmente compreendê-lo, que é a função primordial das ideias.

Grandes ideias explicam o mundo e nos explicam uns aos outros.

Marx chamou a atenção para a relação entre os meios de produção e nossos sistemas sociais e políticos. Freud nos ensinou a explorar nossas mentes como meio para compreender nossas emoções e comportamentos. Einstein reescreveu a física. Mais recentemente, Marshall McLuhan teorizou sobre a natureza da comunicação moderna e seu efeito na vida moderna. Essas ideias permitiram que nos desprendêssemos de nossa existência e tentássemos responder as grandes e atemorizantes questões de nossas vidas.

Mas se a informação foi um dia um alimento de ideias, na última década ela se tornou sua concorrente. Estamos como o agricultor que possui trigo demais para fabricar farinha. Somos inundados por tanta informação que não teríamos tempo para processá-la mesmo que o quiséssemos. E a maioria de nós não quer.

A seleção de informações em si é cansativa: o que cada um de nossos amigos está fazendo neste particular momento, e no momento seguinte, e no seguinte. Com quem a celebridade da novela está saindo agora qual video se tornará viral no YouTube neste momento o que a princesa Letizia ou Gisele Bündchen estão usando hoje.

Existe um princípio econômico chamado Lei de Gresham, atribuída a Sir Thomas Gresham, conselheiro da Rainha Isabel I de Inglaterra, que afirmou em 1558 que "a moeda má expulsa a moeda boa". 

Naquela época as moedas tinham valor conforme o peso do ouro em que eram cunhadas. Quanto mais pesadas, mais valiosas. Sir Gresham disse que se o Estado decidisse cunhar novas moedas com o mesmo valor facial mas com menos quantidade de ouro, os agentes econômicos tenderiam a guardar a moeda mais pesada (a moeda boa) e a fazer circular apenas a nova moeda mais leve (a moeda má).

Pouco a pouco, toda a moeda boa acabaria por ser substituída pela moeda má.

Pois estamos vivendo dentro da nuvem de uma Lei de Gresham informática onde informações triviais expulsam informações significativas. Mas não é só uma questão de informações. Essa lei de Gresham também ataca as noções, quando as informações, triviais ou não, expulsam ideias.

Preferimos conhecer a pensar porque o conhecer tem mais valor imediato. A moeda má expulsa a moeda boa, sacou?

O conhecer nos mantém "por dentro", nos mantém conectados com nossos amigos e nossa tribo. As ideias são tão intangíveis, tão pouco práticas, trabalho demais para recompensa de menos. Poucos falam ideias. Todos falam informação. E geralmente informação pessoal. Onde é que você vai? O que está fazendo? Quem você anda vendo? Estas são as grandes questões de hoje.

Não é por acaso, com certeza, que o mundo pós-ideia brotou com o mundo das redes de relacionamento social. Apesar de haver sites e blogs dedicados a ideias, os sites mais populares na web como Twitter, Facebook, Myspace, etc., são basicamente bolsas de informações. E são bolsas destinadas a alimentar a fome insaciável de informação, embora essa dificilmente seja o tipo de informação que gera ideias. Ela é, em grande parte, inútil exceto na medida em que faz o possuidor da informação se sentir, bem... informado.

Pode-se argumentar que esses sites não são diferentes do que o bate-papo era para gerações anteriores. Afinal, o bate-papo raramente criava grandes ideias, não é?

Pois é. Mas a analogia não é perfeita.

Em primeiro lugar, os sites de relacionamento social são a principal forma de comunicação entre jovens, e estão suplantando os meios impressos, que é onde as ideias eram tipicamente gestadas. Depois, os sites de relacionamento social criam hábitos mentais que são inimigos do tipo de discurso deliberado que dá origem a ideias. Em lugar de teorias, hipóteses e argumentos importantes, obtemos tuítes instantâneos de 140 caracteres sobre comer um sanduíche ou assistir um programa de TV.

Embora as redes sociais possam alargar o círculo pessoal de alguém e até apresentá-lo a estranhos, isso não é mesma coisa que alargar o universo intelectual pessoal. Aliás, a tagarelice das redes sociais tende a encolher o universo da pessoa a ela mesma e seus amigos, enquanto pensamentos organizados em palavras, seja online seja na página impressa, alargam o foco pessoal.

Parafraseando o ditado famoso, geralmente atribuído ao jogador de beisebol americano Yogi Berra, de que não dá para pensar e rebater ao mesmo tempo, também não se pode pensar e tuitar ao mesmo tempo. Não por ser impossível fazer tarefas múltiplas, mas porque tuitar - que é, em grande parte, um jorro, ou de opiniões breves sem sustentação, ou de descrições breves das próprias atividades prosaicas - é uma forma de distração e anti-pensamento.

As implicações para uma sociedade que não pensa grande são enormes. As ideias não são meros brinquedos intelectuais. Elas têm consequências práticas.

Um artista amigo lamentou recentemente que sentia o mundo da arte à deriva, pois não havia mais grandes críticos para oferecer teorias da arte que poderiam fazer a arte frutificar e se revigorar. 

Outro amigo desenvolveu um argumento parecido sobre política. Embora os partidos debatam sobre quanto cortar no orçamento, ele gostaria de saber onde estão os políticos-cabeça que poderiam elevar o nível de nossa política.

O mesmo seguramente poderia ser dito da economia, onde John Maynard Keynes continua sendo o centro do debate quase 80 anos depois de propor sua teoria de injeção de estímulos pelo governo. Isso não significa que os sucessores dos grandes nomes não existam, apenas que, se existirem, eles provavelmente não ganharão espaço numa cultura que tem tão pouco uso para ideias, especialmente as grandes, excitantes e perigosas. E isso é verdade quer as ideias venham de acadêmicos ou de outros que não fazem parte de organizações de elite e desafiam a sabedoria convencional. 

Todos os pensadores são vítimas da abundância de informação, e as ideias dos pensadores de hoje também são vítimas dessa abundância.

Então. Essa questão das vítimas da abundância de informação, é especialmente verdade para grandes pensadores nas ciências sociais como o psicólogo cognitivo Steven Pinker, que teorizou sobre tudo - da origem da linguagem ao papel da genética na natureza humana - ou o biólogo Richard Dawkins, que teve ideias grandes e controvertidas sobre tudo - do egoísmo a Deus - ou o psicólogo Jonathan Haidt, que analisou sistemas morais diferentes e extraiu conclusões fascinantes sobre a relação - de moralidade a crenças políticas.

Mas como eles são cientistas e empíricos e não generalistas nas humanidades, o lugar a partir do qual as ideias eram costumeiramente popularizadas, eles sofrem um duplo golpe. Não só o golpe contra as ideias em geral, mas o golpe contra a ciência, que é tipicamente considerada na mídia, na melhor hipótese, como mistificadora e na pior, como incompreensível.

Uma geração atrás, esses homens teriam chegado a revistas populares e às telas da televisão. Agora, eles são expelidos pelo tsunami informacional.
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*Autor é professor, jornalista, escritor e comentarista político e o artigo foi publicado no jornal The New York Times.

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