O brado retumbante - duas impressões

Duas impressões confirmadas

O excelente texto

A Globo é incrível. Em qualidade artística não tem comparação. Concorrente alguma se aproxima. 

A minissérie "O brado retumbante" oferece uma trama sedutora, inspirada no cenário político brasileiro de nossos tempos. O autor, Euclydes Marinho, e o diretor, Gustavo Fernandez, propõem uma obra com linguagem moderna, excelência estética e um elenco competente. A trilha sonora merece um Oscar. Em alguns momentos lembra seriados estrangeiros com temáticas semelhantes, mas nada que desabone a originalidade da proposta. Afinal de contas, o Brasil oferece nuances surreais quando o assunto é política. Domingos Montagner, protagonista, assume o papel do carismático advogado Paulo Ventura que ingressa na política por idealismo e uma vocação especial no combate à corrupção. Com perfil de deputado "independente", a manipulação do jogo político o faz tornar-se presidente da Câmara dos Deputados. Numa manobra um tanto forçada do autor, mas legitimada pela licença poética, Ventura se transforma em primeiro mandatário do país após tragédia numa viagem de helicóptero em que estão o presidente e seu vice. A partir daí a coisa esquenta, principalmente para quem assiste. Recheada de frases e imagens consagradas do nosso cotidiano político real, o texto preza pela ironia, acidez e provocação, notadamente aos caciques de sempre e à esquerda brasileira. Uma delícia. Maria Fernanda Cândido é Antônia, a primeira-dama. Assume ares de mártir pós-moderna pois, apesar de professora universitária engajada, mãe e cidadã exemplar, precisa lidar com a faceta de mulherengo do presidente, sem poder reagir em nome da governabilidade do marido. Para importantes críticos, o texto é ponto forte da obra como um todo. "É a intenção de divertir (...) com a ambição de informar", analisa Stycer. O diretor, de forma eficaz, consegue evidenciar a consistente atuação dos atores e dar a devida agilidade ao texto. Que repito: é excelente!

O incorrigível pretexto

A Globo é terrível. Em manipulação política de informação é incomparável. Concorrentes são meros aprendizes.

A minissérie "O brado retumbante" oferece instigante trama inspirada no cenário político brasileiro instalado. Diferente do que afirma o autor - "É tudo ficção, tudo da cabeça da gente" - a obra é recheada de correlatos ao cotidiano tupiniquim real. Aquela máxima de que "qualquer semelhança é mera coincidência" parece um pouco forçada. Senão irônica mesmo. A semelhança física de Domingos Montagner, ator protagonista, com Aécio Neves é evidente. Dá impressão que se trata de mais um merchandising para o tucanato. O presidente não é pintado como santo, dado seu relativismo moral na vida privada, mas,  na vida pública, é de uma pureza ética provavelmente inédita. Um bálsamo para o inconsciente coletivo da nação. Paralelamente, frases inteiras e circunstâncias idênticas ao de fato ocorrente são reproduzidas no seriado, mas com explícita ridicularização dos movimentos sociais, estudantes e posicionamentos de centro-esquerda em geral. Um dos episódios correlatos - o dos livros didáticos com supostos erros de concordância - é enfocado de forma a consolidar a crítica da grande mídia, e dela, TV Globo. Peesedebistas incorrigíveis. Outra crítica, essa bem humorada, foi a cena da primeira reunião ministerial com o presidente recém empossado. A imagem parte de uma mesa de reuniões enorme, gente demais, cada ministro devidamente identificado por plaquinhas a sua frente. No detalhe, a câmera vai passando de plaquinha em plaquinha identificando ministérios de relevância questionável. O telespectador sente que o ritmo da troca de cenas freia intencionadamente. Mas culpa da quantidade irritante de ministérios. Um "desperdício", induz-nos. O clímax - e rizível - da cena é quando o "Ministério da Igualdade Racial" é mostrado ao lado do "Ministério da Diversidade Racial". Nem o esquerdista mais xiita segura o riso. O texto imagético (criativo, reconheçamos) explicita o que todo mundo sabe mas os Marinho não admitem. O arcabouço direitista da obra e da emissora. Ninguém precisa ser extraordinariamente inteligente para sacar o pretexto da Globo. Que repito: é incorrigível!


Por isso, quando me pedem opinião sobre a Globo, maior potência de comunicação do país, costumo dizer que admiro a excelência de seu(s) núcleo(s) artístico(s), mas invariavelmente detesto seu Jornalismo. Autointitulado imparcial, não vai muito além de panfletário da "Teologia de Mercado"

Essa série, O brado retumbante, vem para sintetizar simbólica e perfeitamente essa impressão. Ou melhor, essas.

Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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