Muita pressa! - Alfredo Roberto Marins Júnior

A locomoção diária da minha casa ao trabalho e de lá às aulas, e por fim à casa de volta cobra-me cem quilômetros diários. Como estou longe das capitais, este percurso pode ser feito em pouco mais de uma hora, tempo que aproveito (já que não é prudente ler ao dirigir) para ouvir notícias ou algum audiobook no rádio do carro.

Mas algumas vezes, tenho que focar toda minha atenção no trânsito. Não porque seja intenso, mas caótico no pior estado da palavra: um verdadeiro caos. Quase ninguém respeita os limites de velocidade das vias e os poucos que se atrevem a fazê-lo, são “empurrados” por faróis altos dos apressados.

Outros, cruzam alucinadamente entre as faixas das estradas sempre querendo estar à frente de todos. Ainda há os que ultrapassam pelos acostamentos, retornam na contra-mão porque erraram a saída e não querem fazer o retorno à diante. Isto a qualquer hora do dia ou da noite, o que me leva a constatação de que todo mundo tem pressa o tempo todo!

E o exemplo não para por aí. O primeiro computador que comprei, lá pelos anos 90, tinha apenas 16MB de memória RAM e levava por volta de dois minutos para chegar ao prompt. Aí eu tinha de digitar um comando para que o sistema operacional carregasse (mais quatro minutos). Anos depois, comprei outro, que poderia ser o topo da cadeia alimentar dos computadores, com incríveis 512MB de memória RAM.

Hoje, é possível colocar num notebook 8GB de memória RAM acoplado a um processador com sete núcleos de processamento e ainda assim há quem reclame da baixa velocidade. E a Internet então? Planos de 100 Mbps. E pensar que houve um tempo (sim acredite) que eu ficava feliz quando minha conexão discada chegava a 13kbps. E agora, parece que o download não termina nunca. 

Recordo-me de ler lido há alguns anos, que estava para ser leiloada uma página do rascunho do que viria a ser o livro Ulisses, de James Joyce. Fiquei imaginando o capricho de Joyce ao transcrever o rascunho para a versão definitiva de uma das maiores (em tamanho e complexidade) obras da humanidade e me perguntei: quem hoje em dia ainda escreve rascunhos para depois passá-los a limpo?

A evolução tecnológica nos permite realizar ações de forma rápida, descobrir em tempo real o que acontece do outro lado do globo, coletar, armazenar, editar, armazenar tudo instantaneamente, mas nos cobra esta praticidade na única moeda que não podemos reaver: tempo.
A mitologia hindu narra que Gautama, o avatar humano de Vishnu que se tornou Buda, só conseguiu alcançar o estado mais elevado depois de meditar por 49 dias consecutivos. É claro que avaliando superficialmente, podemos dizer que nenhum homem agüentaria realizar tal proeza. Tudo bem, concordo. Mas avaliando o mito de forma mais abrangente, podemos considerar que esta cifra não seja um número exato, mas uma metáfora para o tempo.

Os processos naturais não podem ser acelerados. Não há como plantar a semente hoje e colher o fruto amanhã. Leva tempo para que ela brote, cresça, torne-se planta, floresça e dê frutos. E nenhuma tecnologia, por mais sofisticada pode acelerar este processo.
Nós é que distorcemos esses eventos e aceleramos o que deveria transcorrer naturalmente. E quando nos damos conta, percebemos que este já é o último dia do undécimo mês de um ano que está evaporando. Amanhã começa Dezembro e em mais alguns dias chegam as festas e outro ano termina, e outro começa e termina e começa e termina num ciclo de aceleração contínua.

É por isto que eu passei a dirigir admirando a paisagem. A mesma, todo dia, e a cada dia descubro coisas que eu não tinha visto antes. Enquanto isto os motoristas passam buzinando e ultrapassando pelo acostamento.

Lamento. Aprendi que não adianta ter pressa.

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