Democracia e Censura

Pois bem. O problema não está no conceito, mas no processo. E dissimular não é uma exclusividade dos governos, mas também da mídia golpista. A propósito muito mais dissimulada, pois pragmaticamente movida por interesses de seus donos, sem compromisso nenhum com o povo. Quando muito, apenas com a classe média consumidora de revistas semanais. Editoriais que se apresentam "neutros" mas que, se espremidas as revistas, derramam apenas veneno golpista e, portanto, anti-democrático.
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A maioria das pessoas que conheço sempre defendeu a democracia. Pelo menos em público. É certo que muitos, quando recolhidos à sua intimidade, clamam por mais uns cassetetes na praça para botar ordem no país, mas raramente tem coragem de defender isso abertamente.

Defender a democracia é de bom tom, é “do bem”, afinal esse é o regime que estabelece que todos os homens são iguais perante a lei, não é? Quem pode ser contra isso?

Mas muita gente acha que nem todos os homens são iguais perante a lei, especialmente se forem os fracos e oprimidos. E em nome da defesa desses fracos e oprimidos começamos a assistir a uns movimentos que buscam atacar certos valores fundamentais da democracia. A liberdade de expressão por exemplo.

Veja só, uma coisa que precisa ficar clara já, para que tenhamos uma percepção correta do que tratarei neste programa. O princípio democrático é o seguinte: todos os homens são iguais perante a lei. E para garantir esse princípio, criamos aquilo que chamamos de Justiça.

É a justiça que assegura que o fraco e oprimido não será punido apenas por ser fraco e oprimido. Mas ela também garantirá que o fraco e oprimido não será poupado de seus crimes porque fraco e oprimido, entendeu? E o conceito vale também na contrapartida: o forte e poderoso não será protegido e também não será punido por ser forte e poderoso, sacou? Fracos e oprimidos, fortes e poderosos são iguais perante a lei. Esse é um princípio inclusive constitucional, que deve ser indiscutível e inegociável. 

Um pobre coitado que rouba deve ter o mesmo tratamento que um rico privilegiado que rouba. Por isso dizemos que a Justiça é cega. No entanto é verdade que quanto mais poderoso o sujeito, mais chance ele tem de driblar a justiça, pois terá dinheiro para contratar advogados habilidosos para encontrar brechas na lei, manipular os processos, pressionar ou corromper as autoridades se necessário. 



Mas preste atenção agora: isso não tem a ver com o conceito de justiça ou de democracia. Tem a ver com processos.

Vou repetir de forma mais clara: os poderosos escapam das garras da justiça não porque o conceito de justiça da democracia está errado, mas porquê tem recursos para manipular os processos.

É no processo - e não no conceito - que está o problema. Enquanto estão no papel, as leis bem escritas são perfeitas. Mas para serem aplicadas precisam de pessoas, de seres humanos. 

Albert Einstein disse uma vez que são três as forças que movem o mundo: o medo, a cobiça e a estupidez.

E é aí que a porta torce o rabo... Quem tem poder sabe como trabalhar o medo, a cobiça e a estupidez dos responsáveis pela aplicação das leis.

Algumas pessoas acham que a democracia tem seu valor por assegurar que a vontade da maioria prevaleça. É verdade. Mas existe um segundo aspecto que, ao menos para mim, é ainda mais importante: a democracia assegura que a minoria possa dar sua opinião livremente, inclusive contra a vontade da maioria, sem ter a cabeça decepada.
A liberdade para poder dizer “não” é o que verdadeiramente define uma democracia. Tente dizer “não” para Fidel Castro, Ahmadinejad, Mao, Stalin, Adolf Hitler e outros... Percebeu? Hitler subiu ao poder e sustentou-se por vontade da maioria, mas pode-se dizer que aquela Alemanha era uma democracia?

Então deixando claro: o que distingue uma democracia de uma ditadura é a liberdade dos que discordam dela poderem dizer “não”. 

Agora note bem: a liberdade de poder dar sua opinião independe do conteúdo de sua opinião. Numa democracia você pode dizer o que quiser, mas se você decidir defender, por exemplo, uma tese comprovadamente racista, transformando sua opinião numa ofensa ou discriminação, terá que se ver com a lei. Sacou? Liberdade para dizer o que quiser, desde que assuma as conseqüências.

Resumo: o que define uma democracia é sua liberdade de dizer o que você quiser, quando quiser e como quiser. Mas essa liberdade não deve dar a ninguém a impunidade para agir contra e lei, contra a moral, contra aquilo que chamamos de “bons costumes”.

Pra continuar no raciocínio eu vou chamar agora SOPAPO, com João Donato e Paulo Moura, aliás, as música é dos dois. Dois grandes mestres...

Aceitar que alguém exponha uma opinião contrária à sua, por mais absurda que você julgue a opinião, é regra da democracia. Quando você não aceita que pessoa exponha a opinião, você não é um democrata. Entenda bem, não é que você deva CONCORDAR com a opinião e sim ACEITAR que ela possa ser exposta. Conviver com quem pensa diferente é o grande teste para um democrata, mas isso é difícil, sabe?

A gente se irrita e rapidamente começa a arquitetar formas de se livrar do pentelho que nos enche o saco. E esse conceito de “se livrar” é muito abrangente... Vai de um fingir que concorda só para ele parar de encher o saco até um “deletar”, que pode ser virtual ou real...

Só que partir para exterminar o adversário não pode ser feito assim, na cara dura. Isso é contra a democracia, contra a liberdade. E dizer-se contra elas é feio, não é? É então que começam a surgir os truques...

Um dos truques é usar conceitos da democracia para atacar a própria democracia. Conceitos que “desligam o disjuntor”, sabe? Por exemplo “direitos humanos”. Quem pode dizer que é contra os direitos humanos?

Por exemplo, os planos que estão sendo desenhados para aquilo que já foi chamado de "Controle Social da Mídia" e agora é "Democratização da Imprensa", partem da intenção de “regulamentação”: vamos desconcentrar a propriedade da mídia, para evitar que grupos econômicos poderosos controlem a informação (e o poder), vamos impedir que concessões sejam dadas a políticos vamos disseminar uma rede pública de rádio e televisão e de veículos comunitários para fazer com que os veículos sejam responsáveis pelo que publicam e divulgam!

Quem pode ser contra isso? Além disso, vários países democráticos já tem um controle assim...

Pois é aí que vem o perigo... Quem será o juiz? Quem vai definir o que caracteriza esse desrespeito aos direitos humanos? O mesmo juiz ou autoridade que define que invadir propriedade privada não é crime? Que trata caixa dois como recursos não contabilizados? Que diz que “classe média” é quem ganha mais de mil e seiscentos reais por mês? Percebeu a armadilha? Você vai, na maior das boas intenções, entusiasticamente defender os direitos humanos, a biodiversidade, o direito dos carentes, dos desvalidos... E assim cai na armadilha da censura. Quando perceber, terá sido tarde demais...

Larry Flynt é um editor estadunidense, criador da revista Hustler, uma revista masculina que desde que nasceu, no início dos anos 70, tornou-se célebre pelos excessos na linguagem pornográfica, impertinente, mal educada, uma agressão à moral e aos bons costumes da sociedade nos Estados Unidos.

Essa revista rendeu a Larry Flynt muita dor de cabeça com perseguições pelos cidadãos que se julgaram ultrajados e até mesmopela justiça. Até um atentado ele sofreu em 1978, que o deixou paraplégico.

No filme O Povo Contra Larry Flynt) o ator Edward Norton faz o papel do advogado de defesa e reproduz em vários de seus discursos a íntegra das defesas apresentadas pelo advogado de Flynt, Alan L. Isaacman, em julgamentos ao longo dos anos. É certo que o tema aqui é comportamento, mas a argumentação desses trechos cai como uma luva neste programa.





Disse assim o advogado de Larry Flynt:

"Estamos discutindo uma questão de gosto, não de Lei. E é inútil discutir gosto - muito menos nos tribunais. (...) Na verdade, tudo o que esta discussão faz é permitir a punição de discursos impopulares (...) - e estes são vitais para a saúde da nação.

Não estou tentando convencê-los de que deveriam gostar do que Larry Flynt faz. Eu não gosto do que ele faz. Mas o que eu gosto é de viver num país onde você e eu podemos tomar esta decisão por nós mesmos.

Eu gosto de viver num país no qual eu possa pegar a revista Hustler, lê-la se quiser ou atirá-la no lixo se acho que é ali é seu lugar. Ou não comprá-la. Gosto de ter esse direito, me importo com ele. E vocês deveriam se importar com ele também, porque vivemos num país livre.

Dizemos muito isso, mas às vezes nos esquecemos do que significa. Vivemos num país livre. Esta é uma idéia poderosa, é um jeito maravilhoso de se viver. Mas há um preço para esta liberdade, que é, às vezes, ter que tolerar coisas das quais não gostamos necessariamente.

Então vocês devem pensar se querem tomar esta decisão por todos nós. Se começarmos a cercar com paredes aquilo que alguns de nós julgam como sendo obsceno, acordaremos um dia e perceberemos que surgiram paredes em lugares que jamais esperaríamos que surgissem. E aí não poderemos ver ou fazer nada. E isto não é liberdade".

E então? Vamos ao resumo?

O que define a democracia não é a prevalência da vontade da maioria, mas a liberdade de poder dizer “não” das minorias. 

Saber conviver com quem pensa diferente da gente é nosso desafio. Quem não sabe tenta eliminar aquele pensa diferente. Mas como isso é “feio”, tenta usar os conceitos da própria democracia para atacá-la. E quem não está preparado para compreender as armadilhas acaba dando suporte a teses totalitárias. E quando percebe, o bonde passou...

Quer saber minha opinião? Eu acho que o que a imprensa precisa é um conselho de auto-regulamentação, nos moldes do CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, sem as mãos peludas do governo.

Mas isso é assunto pra outro programa. Por enquanto volto ao advogado de Larry Flynt:

"Se começarmos a cercar com paredes aquilo que alguns de nós julgam como sendo obsceno, acordaremos um dia e perceberemos que surgiram paredes em lugares que jamais esperaríamos que surgissem. E aí não poderemos ver ou fazer nada. E isto não é liberdade."
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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