Títulos não são sinônimo de competência

A psicose acadêmica
Jorge Antônio Monteiro de Lima

Outro dia eu conversava com um empresário dono de uma multinacional do segmento alimentício, empresa cujo faturamento anual beira os 390 milhões de reais. Ele falava da dificuldade de encontrar uma boa equipe, que trouxesse em sua colaboração mais que certificados e títulos, mas qualidade e competência. O referido homem sequer completou o curso superior de engenharia. Dizia da dificuldade de encontrar bons profissionais no mercado e que hoje os diplomas pouco têm confiabilidade. Falou abertamente do prejuízo administrativo que um ex-funcionário, portador de vários NBA's, lhe causou. Já sofreu isto?

Na auto-importância de títulos e nobreza, fechada em seu próprio universo, longe da realidade, sobrevive, alienada, nossas universidades, formando indivíduos massificados, sem a menor consciência crítica ou noção de cidadania. Futuros profissionais, contentes por reproduzir a educação bancária do Brasil que se traveste em tratados e mais tratados, chancelados de revisão bibliográfica.

Quanto custa um curso superior? Em minha área, a Psicologia, um diploma não custa menos que 150 mil reais, somados mensalidade, deslocamento, alimentação, xerox, as milhares de horas em cursos de formação, pós-graduação, supervisão, livros, congressos, etc. A formação de um advogado não custa menos, administradores e engenheiros também pagam caro pelo diploma, e assim o é em outras formações. Estudar em uma faculdade pública diminui o custo em até 40%, porém não desonera os demais investimentos para uma boa formação. Porque quem investe aceita o ensino de baixa qualidade mesmo em universidades públicas?
Nos últimos anos resolvi voltar a estudar. Fiz vários cursos como aluno ouvinte em áreas diversas, buscando aprimorar mais o que já sabia, mas me assustei com o que vi. A falta de qualidade que no mercado profissional reflete diretamente a falta de qualidade no ensino superior. Áreas profissionais em crise significam péssima formação, problema para o qual aponto duas causas básicas:

1) O distanciamento das universidades no quesito relevância social para os temas estudados enquanto pesquisa. Por isto batizei este artigo de psicose acadêmica. Delírios hoje são comuns em universidades que estudam a futilidade. Não existe, na maior parte dos estudos produzidos no Brasil, a menor relevância ou utilidade prática. Nossas universidades promovem a alienação coletiva. Mas para que fazer um estudo que tenha utilidade?

2) Foi na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso que tornou-se comum a criação de universidades particulares sem qualidade por um modelo neoliberal com agenciamento de mercado. A regra para abertura de uma universidade era a do crivo financeiro. Com dinheiro, qualquer imbecil no Brasil abre um curso superior e revende toda sorte de certificados, que, chancelados, têm sua validade. A consequência grave é que qualquer um, com dinheiro ou crediário, compra qualquer diploma: de medicina, direito, psicologia, engenharia, etc. Compra de graduação, mestrado, doutorado ou faz um NBA.
Pagou levou! Quer pagar quanto para não ter qualidade?

Este cenário bizarro mostra que as universidades sobrevivem, criam seu próprio mercado, que se autorregula, voltando-se contra a sociedade, sobrevivendo de um delírio e megalomania, criando pequenos feudos de "saber".

Saber que não propõe respostas à sociedade em questões de relevância. Assim produzimos e reproduzimos em nossas universidades teorias caducas, anacrônicas ou superficiais, dignas de tablóides de fofoca. Um problema que não é só de alunos, mas também do corpo docente, que aceita e fomenta estudos vazios de sentido em teorias da futilidade. O retrato desta avaliação está estampado no fato de que nenhuma universidade brasileira entrou no ranking das 200 melhores instituições de ensino do mundo. Ou ainda é retratado no fato do Brasil ser apontado em várias vezes como o detentor de um dos piores ensinos do planeta nos últimos 10 anos. Como era mesmo a propaganda oficial sobre a educação?
O poder no Brasil, que legisla e executa para a Noruega, persiste em colocar a educação como crivo de confiabilidade e realização. Em que mesmo?

E nossa psicose acadêmica graças a apatia do corpo docente produz muita gente alienada, notável no saber de senso comum, formado anacronicamente em teorias caducas e vazias, fora de nosso tempo e espaço.

Na auto-importância de títulos e nobreza, fechada em seu próprio universo, longe da realidade, sobrevive, alienada, nossas universidades, formando indivíduos massificados, sem a menor consciência crítica ou noção de cidadania. Futuros profissionais, contentes por reproduzir a educação bancária do Brasil que se traveste em tratados e mais tratados, chancelados de revisão bibliográfica. Vivemos a crise da ciência que nega a criatividade, os avanços da ciência, os caminhos de ponta que ligam-se diretamente a questões com relevância social.

Quer pôr à prova, leitor? Tente desenvolver em uma universidade um estudo profundo sobre as drogas e seu impacto social para perceber a dificuldade de se encontrar orientadores sérios com esta perspectiva. Talvez, se você procurar muito, encontre uns seis ou sete engajados no Brasil, talvez dois ou quatro núcleos de estudos. Se ainda for peneirar, ver quais têm estudos atualizados, perceberá que será difícil contar com os dedos de uma mão. Agora após encontrar tente entrar em um destes feudos...

E ai de você se questionar um doutor sobre sua inutilidade existencial!

Muito embora tenha visto em minhas andanças vários doutores orientadores se queixando da dificuldade de encontrar bons alunos, percebi que, em verdade, são estes que acabam por empacar nosso ensino, mantendo a falta de relevancia como crivo de pesquisa.

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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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