Quem quer faz, quem não quer...


Há quase vinte anos foi apresentado às empresas brasileiras um conceito que modificou muito o sistema de trabalho da época: a terceirização. Eu me recordo de ter lido na época uma revista cuja manchete declarava: “A revolução que acabou com os empregos.”

A coisa funciona mais ou menos assim: antes da terceirização, uma empresa que tivesse 1.000 colaboradores na linha de produção, precisava dispor de um grupo bastante grande de pessoas nos processo auxiliares: administração, manutenção, limpeza, segurança, refeições. 

Para suprir estas necessidades, as empresas contratavam além dos operários, administradores, mecânicos, faxineiros, seguranças, cozinheiros. O processo seletivo era trabalhoso, os sindicatos eram diferentes e a administração de pessoas difícil.

Então, um belo dia, alguém insatisfeito com a empresa, saiu dela e resolveu montar sua própria empresa, especializada numa única tarefa. Alguns criaram empresas construtoras de ferramentas, outros de softwares, outros ainda de segurança e limpeza e outros de alimentação.

Cada empresa especializada resolveu então prestar serviço à empresa que tinha os 1.000 operários. Uma servia o almoço, a outra cuidava da higiene e segurança e assim sucessivamente.

Resultado: departamentos inteiros foram extintos. Milhares de trabalhadores foram demitidos e a empresa reduziu os gastos com as áreas de suporte. Os colaboradores que trabalhavam nestas áreas tiveram que mudar de área, ou trabalhar nas empresas terceirizadas, ou abrir suas próprias empresas.

Se por um lado isto é economicamente interessante, porque a empresa reduz seus custos, torna-se mais competitiva e pode baixar o preço do produto, tornando-o mais acessível.

Mas sempre há o outro lado: a terceirização cria dependência com parceiros que muitas vezes não têm os mesmos valores que a empresa que requisitou os serviços. Os resultados nem sempre são os esperados, pois às vezes falta, por parte do terceirizado, conhecimento do negócio e principalmente comprometimento.

Particularmente, não tenho boas experiências com empresas terceirizadas. Em geral, quando preciso ligar para um prestador de serviço terceirizado, minha paciência é testada ao extremo: preciso aguardar por horas para falar com diversos atendentes que invariavelmente vão me transferir para outro atendente para quem terei de repetir minha história toda novamente ainda que ele não resolva nada.

Isto acontece com a operadora de celular, com a consultoria jurídica, com o banco, a concessionária de energia, com a seguradora, o serviço de (não)atendimento para manutenção do computador. Em suma, se alguém conhece alguma empresa onde a mão de obra terceirizada não seja assim, por favor, me informe.

Foi aguardando enquanto eu era transferido para outro atendente que me lembrei de dois casos mitológicos: o chinês, onde o Imperador dos Céus definiu que os humanos poderiam comer bem a cada três dias, mas por preguiça, terceirizou a tarefa de avisá-los ao boi. O tolo animal não foi capaz de repetir a mensagem e disse que as pessoas poderiam comer três vezes por dia. O Imperador colocou sobre as costas do boi a responsabilidade pela notícia errada e o arado para que ajudasse o homem.

Igualmente o primeiro cachorro do mito africano falhou ao anunciar aos seres humanos, que se alguém morresse deveria ter o corpo deitado sobre a terra e coberto de cinzas para que voltasse à vida. Aos misturar as instruções disse que se alguém morresse, deveria ser colocado sob a terra e coberto de cinzas. Assim, as pessoas começaram a enterrar seus mortos.

Na mitologia hindu, um dos deuses mais famosos é Varuna, o arquiteto e ferreiro divino, possuidor de conhecimento infinito. Ele organizou os ciclos do Sol, direcionou cada rio, ordenou as fases da Lua, estruturou o relevo da Terra e encarregou-se de nunca deixar o oceano cheio demais. Por tudo isso ele tornou-se o senhor sobre o destino dos homens, protegendo-os do mal e sustentando-lhes a vida.

Observando este mito, eu ouso deduzir que ele só chegou a este grau de perfeição, porque se incumbiu pessoalmente na realização da esta obra, não repassou esta responsabilidade a ninguém. Não terceirizou a criação da terra.

Lembro-me do meu avô, que quando alguma coisa não ficava a contento seu, dizia aquela frase célebre: “Quem quer faz, quem não quer manda”.

Preciso atualizá-lo: Quem quer faz, quem não quer terceiriza.


Alfredo Roberto Marins Junior
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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